Campeões das desigualdades
(publicado a 31 de Maio no Nova Esperança Impresso)
Não sendo muito habitual colocarmos OnLine os Editoriais do nosso Director publicados na Edição Impressa do Nova Esperança, hoje abrimos uma excepção a essa regra, por questões da importância do tema e da sua actualidade. Salvaguardamos o facto do texto transcrito ter sido publicado em 31 de Maio e o Jornal chegou a Penacova poucos dias depois, na passada 4ª feira, 4 de Junho e em alguns locais do Concelho a 5 de Junho.
Transcrevemos então:
«
Entre a amargura e a esperança
Hoje gostaria de reflectir convosco partindo de duas realidades diferentes, mas que nos são significativas. A primeira tem a ver com a triste realidade da sociedade portuguesa. Acabamos de ganhar mais uma medalha de ouro, a nível europeu: somos o país campeão das desigualdades sociais, dos desequilíbrios entre os que ganham mais e os de menores rendimentos.
O estado social é uma conquista da cultura europeia, que pretende garantir um mínimo de dignidade a todas as pessoas e famílias, oferecendo uma série de serviços de protecção e apoio, incluindo a saúde, acesso à cultura, apoio à maternidade, subsídio de desemprego, protecção à terceira idade. Isto deu à Europa um modelo de estado, baseado no trabalho e na solidariedade social, que garante um mínimo de dignidade para todos os seus membros.
A grande disparidade de salários é própria dos países subdesenvolvidos, em que uns sobejam de tudo e outros não têm o indispensável para viver, criando desequilíbrios sociais escandalosos, dentro de um mesmo país, entre co-nacionais, sem um mínimo sentimento de fraternidade ou de solidariedade nacional. Como compreender uma sociedade em que as diferenças salariais podem chegar ao coeficiente 10, 20 ou mesmo mais? Como compreender que uns ganhem largos milhares de euros por mês quando um quinto da população vive nos limiares da pobreza, e mais de 200.000 portugueses não têm 5 euros por dia para viverem?
Tristemente é nisto que somos campeões. Com um estado incapaz de garantir equilíbrios sociais, já que naturalmente não acontecem, permitindo um crescente fosso entre ricos e pobres. Com uma sociedade incapaz de renovar a cultura, de criar um brio nacional que a todos abranja, uma espécie de desafio ético que irmane os portugueses e lhes dê gosto pela sua identidade e pelo seu presente, alimentado por uma história secular onde não faltam valores e feitos nobres. Pelo contrário, ouve-se é dizer que D. Afonso Henriques agora dá voltas no túmulo por ter lutado contra os seus ascendentes…
Urge criar uma mentalidade de solidariedade, de trabalho responsável, de redistribuição equitativa da riqueza gerada, para que beneficie a sociedade e não só uns poucos, tantas vezes esbanjadores e sem capacidade de recriar riqueza. É necessário que os nossos gestores, que parece que vivem no país das sete maravilhas, se preocupem mais com o bem comunitário, e não apenas com um acumular pessoal. Um pouco mais de inteligência ou de capacidade de trabalho não deve significar indiferença pelos mais desfavorecidos, mas antes uma nova responsabilidade com o bem comum. Urge criar uma mentalidade de trabalho e de eficácia, que aceite as necessárias reformas, assumindo o estado a função de equilibrador da sociedade, garantindo a democratização da cultura e da riqueza. Urge que nos renovemos, começando por cima, ou partindo do individual para chegar ao global. Urgem dirigentes de qualidade, capazes de sonhar com uma sociedade social, e dinâmicos para cativarem as pessoas à sua concretização.
Bom, mas falava também de esperança. Refiro-me agora concretamente ao campo eclesial, à vivência da fé. Adivinham-se tempos novos, de uma renovada procura de Deus, de redescoberta da centralidade de Cristo na vida pessoal e comunitária. Há uma linguagem da fé que volta a cativar os jovens, uma beleza celebrativa que alcança os adultos, uma procura de Igreja viva que faz as pessoas partirem, darem o seu tempo, colaborar com aqueles que se empenham. Isto vi-o no recente encontro diocesano dos jovens e das famílias da diocese de Coimbra, no Luso, com o lema “A mesma família, o mesmo Pai”. Mais de 500 jovens em vigília de oração na Cruz Alta e mais de 4000 pessoas na missa final são disso um transparente testemunho. O Evangelho é um desafio que continua a interpelar o coração do homem, e tem poder para o questionar e transformar. Dele brota um amor novo que João Paulo II chamou a “opção preferencial pelos pobres”. Na medida que o amor de Deus estiver presente no tecido social, nessa mesma medida haverá maior sensibilidade para o outro, que ganha a categoria de irmão: elevar as mãos em adoração é também abrir os braços ao irmão.
Que a esperança ganhe sobre a amargura!»
Director do Nova Esperança
In Jornal Nova Esperança
Edição Impressa de 31 de Maio de 2008
In Jornal Nova Esperança
Edição Impressa de 31 de Maio de 2008

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